domingo, 12 de maio de 2013

Conclusões

Os relatos dos últimos posts com certeza fizeram vocês pensarem um pouco mais a respeito da mente humana. Não podemos discordar que S. possui uma mente brilhante, excêntrica e excepcional; mas não consegui parar de pensar em até que ponto essa mente funcionaria a favor de S..

Luria traça objetivamente os pontos fortes e os pontos fracos da mente de S. O fato do sinestésico conseguir ter uma visão gráfica de absolutamente tudo lhe dá certas vantagens. Por se envolver na narrativa e ter uma visão descritiva, S. não perde nenhum detalhe, consegue observar coisas que nós (meros mortais) passamos os olhos e nem reparamos. Ele denomina seu método de solução como "especulativo" (mas que nada se parece com a filosofia especulativa), método este que o possibilita literalmente ver as soluções do problema, não precisava de papel. "Outras pessoas pensam enquanto lêem, mas eu vejo tudo." (LURIA, p. 98). Conseguia resolver problemas matemáticos, problemas práticos do dia a dia e outros com uma facilidade absurda!

Mas quais são os riscos de confiar apenas em um pensamento figurativo? S. prestava tanta atenção em tudo (sem perder nenhum detalhe, como disse) que as vezes fugia do essencial, da chave da questão (o famoso "colocar chifre em cabeça de cavalo"). Além disso, S. tinha muito problema com sinônimos, homônimos e metáforas. Em algumas situações, precisamos abstrair um pouco para obter total compreensão. Como cada palavra tinha uma representação gráfica certa para o paciente de Luria, a abstração não era algo possível em sua mente. Tinha que ser tudo preto no branco.

Para exemplificar melhor isso, S. relata a dificuldade para compreender uma placa que dizia "O trabalho pôs-se em andamento normalmente":
"... Quanto a trabalho, vejo que há trabalho acontecendo... há uma fábrica... Mas ali está aquela palavra normalmente. O que vejo é uma mulher grande, de faces coradas, uma mulher normal... Depois, a expressão pôs-se em andamento. Quem? O que é isso? Temos indústria... ou seja, uma fábrica, e essa mulher normal - mas como tudo isso se encaixa? De quantas coisas tenho de me livrar para entender essa ideia simples!" (LURIA, p. 113) 
Apesar deste capítulo ter me feito acreditar mais na história de S. e aceitá-lo como humano com defeitos e qualidades, o capítulo seguinte - Seu controle do comportamento - trouxe mais um milhão de questionamentos a cerca da veracidade e legitimidade desta mente. Aqui Luria relata como o poder da imaginação de seu paciente ia muuuuuito além de meras associações e compreensões raras, tal poder afetava no controle de seu corpo.

E eu não estou falando de controle corporal básico como segurar a respiração ou colocar o pé atrás da orelha. S. conseguia elevar ou diminuir sua pulsação, e fazia isso apenas com a mente. Conseguia também aumentar a temperatura de uma mão enquanto simultaneamente diminuía a temperatura da outra!! E o mais legal (ou estranho?) é que ele não compreendia o que as pessoas achavam de tão extraordinário nisso! "Vocês não têm com o que se espantar. Vi-me colocando minha mão direita numa lareira quente... Ui, como estava quente! Portanto, é claro que a temperatura de minha mão aumentou. Mas eu estava segurando um pedaço de gelo na minha mão esquerda. Podia vê-lo ali, e comecei a comprimi-lo. E, naturalmente, minha mãe esfriou..." (p. 124)

S. também relata como lidava com a dor. Sua mente o ajudava a controlar a dor até cessá-la. Que a mente é o mais forte estimulante nós sabemos, mas será que todo mundo tem essa habilidade (ou força de vontade?) para conseguir lidar com situações extremamente ariscas? S. associava a dor à uma imagem -digamos uma linha vermelha e conforme a dor aumentava, mais densa a linha ficava - e assim obtinha total controle dela, uma vez que agora era algo palpável. Ele simplesmente cortava a linha até ela desaparecer.

Se tais relatos são verdadeiros ou não, se uma mente é capaz de acabar com a dor, se é capaz de controlar a circulação, temperatura e outras qualidades do corpo eu não sei. Mas, se tudo isto for verídico, acredito sim que esta habilidade está em todos nós e só precisamos exercitá-la e treiná-la.

Bibliografia: LURIA, A. R. (2006). A mente e a memória: Um pequeno livro sobre uma vasta memória. São Paulo: Martins Fontes.

Um comentário:

  1. Carolina,

    lendo seu resumo fica mais claro e distinto para mim que Luria optou por apresentar a mente de S. aos leitores. Sim, não se engane, quando Luria está apresentando uma longa descrição de como S. tenta memorizar algo ou resolver algum problema ele está tornando público a sua propria mente. A mente não é algo invisivel, ela se apresenta na linguagem ou falada ou nos gestos dos surdos. Aliás, quando um surdo diz "eu receber presente aniversário" e, a seguir, representa no espaço uma "caixa de presente" nao seria um tipo de habilidade complementar a de S. ? S. representava visualmente para si uma determinada situação, o surdo precisa representar visualmente um objeto presenteado tal que o seu interlocutor possa visualizar também aquele objeto tridimensionalmente. O que o caso de S. pode ajudar a compreender a lingua espacial dos surdos ?

    um abraço do além

    René Descartes

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